segunda-feira, 5 de maio de 2014

Ensaio sobre a bipolaridade

O juiz apita o final do jogo. Perco o olhar no campo na imensidão de um infinito intervalo entre 3 e 5 segundos. Enquanto os jogadores mal esboçam os cumprimentos e sua retirada aos vestiários eu estou ali me recuperando de uma bola na trave que poderia nos ter dado a vitória, os 3 pontos, a salvação, quiçá o título e tentando, em vão, disfarçar minha decepção e revolta em ter perdido dois pontos em casa. Conheço bem essa estranha sensação e hei de conviver com ela ao longo de mais uma temporada.

É assim desde 2009. Na ressaca do tricampeonato brasileiro, o São Paulo especializou-se ano após ano em ser um time revestido de uma bipolaridade irritante. Atualmente, esse maldito transtorno é perceptível em outros clubes mas nem de longe se compara ao estrago que faz no Tricolor.

Terceira rodada do Brasileirão e lotamos o Pacaembu para o duelo contra o Coritiba. Muricy decide ousar e aposta no que denomina ou acredita ser um esquema tático com 4 atacantes dos quais apenas 2 prezam pelo trato aceitável com a redonda, Pato e Luis Fabiano. De Osvaldo e Pabón espera-se muita correria e que não ponham tudo a perder. Atrás, uma linha defensiva no qual Luis Ricardo e Rodrigo Caio posicionam-se lado a lado. Ou seja, simplesmente um oásis para o adversário. Um território fadado a gerar calafrios e sustos nos tricolores cada vez que a bola por lá resolve se meter.

Não vem ao caso perder tempo dizendo que saímos na frente, tomamos a virada e somente empatamos graças a alguma entidade divina ter iluminado o improvável Ademílson que, provavelmente em razão de uma fisgada no cérebro, esticou a perna, encobriu o goleiro e anotou um golaço. No derradeiro lance, o mesmo Ademílson mostra qualidade até então dormente no cruzamento que encontrou Luis Fabiano. Nosso camisa 9 omisso durante 90 minutos apostou tudo naquela último lance. Esgueirou-se todo para cabecear uma bola que caprichosamente opta por encontrar a trave em um ângulo preciso o suficiente para não dar rebote a Pato.

Quando o árbitro trilou o apito e pôs termo àquele sofrimento, e tendo encerrada a busca pela vitória tão certa em nossas mentes, lembrei das últimas temporadas. Tão repletas de pretensões vitimadas por uma incompetência tão nossa, tão particular que hoje nem nos surpreendemos tanto quando tropeçamos em nossos próprios passos novamente.

Somos tão oscilantes que no final de um ano terminamos campeões e favoritos a levar a próxima Libertadores, já no outro brigamos contra o rebaixamento. Nossa diretoria é ardil o bastante para reforçar seu ataque com Pato e Kardec, porém esquece o quão nosso sistema defensivo é precário. As temerárias saídas de bola com Rodrigo Caio, saber que as opções para a direta se resumem a Douglas, Luis Ricardo ou mediante improvisação de Paulo Miranda, ver uma volância capenga, incapaz de conter o ávido ataque adversário compõe um complexo teste cardíaco realizado diversas vezes em pouco mais de 90 minutos.

Estamos de saco cheio em olhar para o elenco individualmente e nos encher de esperança em ver em campo algo que possa ser chamado de time de futebol. Cansamos de ver aquele motim de jogadores em campo perdidos e esperar que alcancem vitórias e títulos somente porque há no banco o semblante de Muricy Ramalho. É inadmissível entrarmos favoritos em todo tipo de competição e dela ser despachado por adversários melhor organizados que exploram com eficiência nossa própria arrogância.

Quantos Libertad, Avaís, Coritibas, Pontes Pretas, Penapolenses serão precisos para que o São Paulo pare com essa estranha obsessão em jogar contra seu próprio torcedor? Ganhar e perder, aceitamos, é do jogo. Mas não em casa. Não para a Penapolense. Não para o Coritiba. Não assim. Não tão agora.

Sei que o Brasileirão é um campeonato difícil, nivelado por níveis controversos, recheado de vais e vens. É cedo para jogar a tolha. Sim, podemos. Veja nosso elenco! Olha o Kardec chegando! Temos o Muricy! Ainda não perdemos, veja só! Estamos a menos de 3 pontos dos líderes! Vamo, São Paulo!

Bem, 3 rodadas se foram. São 5 pontos em 9 disputados. Não, não é ruim. Podia ser melhor. É. Vamos ver. Mas, puts, se aquela bola entrasse...


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